A Covid-19 evidenciou a fragmentação dos processos de aprovação de fármacos e vacinas ao redor do mundo. Em estudo publicado da revista Regulation & Governance, a pesquisadora Elize Massard da Fonseca (EAESP/FGV) e colaboradores da Universidade de Michigan ressaltaram que, no estágio atual da pandemia, é importante acompanhar de perto os sistemas de regulação de vacinas de cada país. Análises desse tipo são essenciais na compreensão do andamento da vacinação e, consequentemente, na mitigação dos impactos e prolongamento da crise.
Além de determinado medicamento ser ou não aprovado para uso emergencial ou definitivo, os órgãos reguladores, como a brasileira Anvisa, também são responsáveis pela avaliação e acompanhamento da eficácia de uma vacina. Apesar de sofrer influência de outros fatores, como os contextos políticos locais, o andamento da vacinação depende diretamente da ação de agências regulatórias nacionais, assim como da interação internacional entre elas.
A influência do processo regulatório é particularmente impactante em situações de aprovação emergencial, como acontece atualmente com as vacinas contra a Covid-19. A autora do estudo ressalta que faltam pesquisas sobre a dinâmica desses órgãos, especialmente nos países do chamado “Sul Global”, termo utilizado para referir o conjunto de países com menor renda e em desenvolvimento.
A maior parte do que se sabe sobre economia política na regulação farmacêutica está centrada nos exemplos e contextos da Europa e dos Estados Unidos. Fonseca lembra que, apesar de a Anvisa ser avaliada como um órgão competente e de regulação rigorosa, a agência tem pouco mais de duas décadas de existência, o que faz dela uma agência jovem, na comparação com outras agências internacionais, como a americana FDA (“Food and Drug Administration”), que possui mais de cem anos de história, tendo sido fundada em 1906.
Cooperação e confiança internacionais
Fonseca explica que existe uma prática de “confiança regulatória” entre agências de diferentes países. Ou seja, a decisão de um governo quanto a um medicamento pode ser baseada na avaliação de outra instituição estrangeira ou internacional, como pelos relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS). A pesquisadora reforça que a prática também ocorre entre agências de alta capacidade regulatória.
“O Brasil nunca teve uma regulação de uso emergencial, por exemplo, então se apoiou muito durante as decisões das vacinas contra a Covid nas regras e padrões de outras agências, como o FDA e da OMS”, analisa a pesquisadora da FGV, que também esclarece que a agência brasileira tem autonomia e competência para criar regras próprias que podem diferir de outros órgãos de referência, como quando houve a decisão de realizar testes clínicos de fase 3 das vacinas acordadas em território nacional, antes da aprovação oficial.
O estudo termina por propor uma agenda de pesquisa na área. “O que a gente sugere são três vertentes de investigação, que expliquem como a regulação acontece em países em desenvolvimento e desenvolvidos, que possuem trajetória e experiência regulatória distintas”, explica Fonseca. Se levadas adiante, as três vertentes de perspectiva comparada propostas (a regulação de riscos no “Norte Global”; a política da confiança regulatória; e o processo de pedido de aprovação pelas empresas produtoras) devem ajudar a compreender os riscos e consequências na aprovação de vacinas e medicamentos que são fundamentais para salvar vidas.
* Colaborou Laura Tercic