Com a redemocratização do Brasil e a Constituição Federal de 1988, a agenda de segurança pública se volta à garantia de direitos civis e à cidadania em detrimento das práticas de coerção das forças policiais. Porém, os dados sobre mortes resultantes de intervenções policiais no estado de São Paulo mostram o aumento de homicídios justificados pelo termo “excludente de ilicitude”, que atribui legítima defesa à reação dos agentes.
Artigo que conta com a coautoria do professor da FGV EAESP Renato Sérgio de Lima discute a discrepância das estatísticas sobre segurança pública no Brasil. Como os registros são feitos pelas polícias estaduais, sem coordenação nacional, o estudo analisa o caso específico do estado de São Paulo. Enquanto o número absoluto de homicídios dolosos registrados pela Secretaria de Segurança Pública caiu 77% entre 2000 e 2019, as mortes provocadas por policiais tiveram crescimento de 45,7% no mesmo período.
Em 2006, a Corregedoria da PM de São Paulo criou três classificações para os homicídios dolosos: praticados por policiais em serviço e sem excludente de ilicitude, praticados por policiais fora de serviço e praticados por policiais fora de serviço em reação a uma tentativa de assalto, o que justificaria o excludente de ilicitude. Entre 2006 e 2015, 973 pessoas foram mortas por policiais militares em ocorrências relacionadas a esta última categoria.
Em 2015, no entanto, a categoria foi excluída, e a PM paulista passou a considerar os homicídios fora do expediente de forma generalizada como não intencionais e, portanto, não dolosos. Como consequência, nesses casos o agente policial não responde pelo crime de homicídio, pois se pressupõe que agiu em legítima defesa e/ou no cumprimento de seu dever legal.
No estado de São Paulo, portanto, as estatísticas legitimam a violência da ação policial, ressaltam os pesquisadores. O estudo aponta que indicadores não são imparciais, e sim produzidos por pessoas em relações de poder. Para haver transparência e eficácia nas políticas de segurança pública no Brasil, “é fundamental o aumento da capacidade de governança democrática das instituições policiais, que passa por uma mais eficiente articulação e coordenação federativa”, frisam os autores.