Demandas individuais representam 53% de amostra de 288 ações civis públicas executadas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) na área da saúde. Com isto, a instituição deixa de priorizar a defesa de direitos sociais e coletivos, para os quais deveria se voltar tendo em vista sua incumbência de fiscalização dos poderes em prol das políticas públicas. A constatação é de artigo da pesquisadora da FGV EAESP Rayane Vieira Rodrigues, em parceria com a pesquisadora da Universidade Federal do ABC Vanessa Elias de Oliveira, publicado na revista “Direito GV”.
Estudo de caso foi realizado através da coleta de dados do site do MPSP e via Lei de Acesso à Informação sobre atuação judicial e extrajudicial do MPSP, análise de documentos e entrevistas com promotores das áreas de saúde e direitos do consumidor e de promotores de cidades do interior que detêm atribuições gerais. A análise da atuação extrajudicial considerou 345 inquéritos civis reunidos em busca no site do MPSP. Para a análise sobre a atuação judicial, o estudo se baseou em amostra de 288 ações civis públicas propostas pela instituição entre 2009 e 2019.
Na esfera judicial, a maioria das demandas se refere a fornecimento de medicamentos (28%), tratamento médico-hospitalar (17%) e internação compulsória (8%). Os principais réus são municípios (41%), estado de São Paulo e municípios, em conjunto (30%), e somente o estado de São Paulo (16%). No caso da atuação extrajudicial, os maiores demandados também são os municípios (36%), seguidos dos planos de saúde em geral (11%) e de uma operadora (9%).
Apesar de atribuições distribuídas entre os três entes federativos – União, estados e municípios –, os promotores entrevistados justificam o acionamento massivo de municípios porque a execução tende a ser mais rápida por esta via, independentemente de a demanda ser de sua competência. No entanto, apontam as autoras, isto gera distorções no Sistema Único de Saúde, uma vez que sobrecarrega o ente com menor capacidade orçamentária.
Para além da amostra analisada de forma qualitativa, o artigo também realiza análise quantitativa de resultados do período. O estudo destaca o predomínio dos procedimentos extrajudiciais nas ações que envolvem a saúde – quase 15 mil, contra apenas 1939 ações civis públicas na esfera judicial. Conforme explicam as autoras, a atuação extrajudicial é exercida sem controle externo, com o arquivamento antes da apreciação pelo Judiciário e sem publicização das informações, o que prejudica a transparência das decisões.