É denominado controle político da burocracia as ações tomadas por líderes políticos na intenção de garantir que suas preferências políticas sejam contempladas. Com recrutamento meritocrático forte e proteções de estabilidade, o Brasil possui diversas experiências historicamente de resistência burocrática bem-sucedida contra o controle político. No entanto, recente análise revela como o governo anterior superou a resistência inicial recalibrando estratégias e controlando alguns setores-chave da burocracia – especialmente no caso de agências federais ambientais.
A pesquisa foi publicada pela pesquisadora da FGV EAESP Gabriela Lotta em colaboração com a professora da Davidson College, Katherine Bersch, no periódico Latin American Politics and Society, em outubro de 2023. Para examinar essas estratégias de controle no caso de agências ambientais foram realizadas mais de 100 entrevistas originais e semiestruturadas com burocratas de 15 organizações federais diferentes. Isso significa que mais de 100 servidores foram entrevistados com perguntas pré-definidas pelas pesquisadoras, mas com flexibilidade para que eles vocalizassem informações não antecipadas e complementares. O foco foi buscar burocratas que resistiram à administração do governo anterior em nome da legalidade e da continuidade de políticas públicas. A pesquisa, em consonância com outras, demonstra que servidores públicos foram resistentes em denunciar condutas ilegais e interferência política durante essa gestão. Também foram analisados relatos da mídia, documentos governamentais e dados de fontes governamentais e privadas. A amostragem foi feita seguindo o método bola de neve, ou seja, pedindo sugestões para os entrevistados de outros possíveis participantes, e foi encerrada quando atingiu sua saturação.
Segundo os resultados da pesquisa, os burocratas iniciaram o governo com estratégias já usadas em outras administrações. No entanto, a administração anterior foi capaz de resistir à relutância inicial reformulando o arcabouço legal, incluindo a reescrita de regulamentos e a transformação do cenário infralegal. Com destaque, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, desempenhou um papel significativo nessa transformação ao fazer mudanças legais em regras infralegais, limitando a autoridade dos burocratas e institucionalizando medidas de censura para limitar a divulgação de informações.
Em resposta, os servidores públicos uniram-se em ações coletivas para se protegerem, mas Salles passou a promover ataques individuais como estratégia para suprimir ações coletivas, isolar servidores públicos e instaurar um ambiente amedrontador. Como consequência, o estudo demonstra que a substituição sistemática de servidores civis por oficiais militares foi facilitada para fortalecer o controle político. O ex-presidente aumentou em quase 200% a presença de oficiais militares em cargos civis e eles passaram a ocupar mais de 90% das posições de nível médio a alto em algumas organizações. Essas ações resultaram no enfraquecimento de organizações públicas – especialmente da área ambiental – antes vistas como uma potencial fortaleza de resistência.
A pesquisa revela ainda que, embora os burocratas tenham encontrado limitações para resistir, decisões judiciais permitiram ou bloquearam certos aspectos da agenda do ex-presidente, e a legislação ambiental do governo enfrentou obstáculos no Congresso. Portanto, outros freios e contrapesos ainda existiam em um nível mais alto. No entanto, essas são ferramentas que só podem ser ativadas após uma devastação considerável.
Por fim, destaca-se que, quando os líderes populistas ascendem ao poder, sua eficácia em controlar a burocracia está diretamente relacionada ao nível de expertise e organização dentro dela. Além disso, argumenta-se que a relação entre resistência burocrática e controle político é dinâmica e muitas vezes disseminada entre áreas de governo. Assim, a pesquisa evidencia que há na relação entre políticos e burocratas um aprendizado contínuo, no qual ambos os lados aprendem novas táticas e as adaptam ao longo do tempo.