Diversas práticas cotidianas de um clube social brasileiro, localizado na região Sul, serviram de base para uma pesquisa com inspiração etnográfica que descreve relações entre funcionários e sócios do clube, que acontecem em uma tensão entre exclusão e inclusão, com o objetivo de manter a desigualdade entre estes estratos sociais.
O artigo, publicado nos Cadernos EBAPE, mostra que práticas consideradas bastante comuns e aceitas, como o recebimento de uniformes e o estabelecimento de regras formais e informais de conduta leva a uma forma de exclusão dos funcionários, no sentido de evitar que eles alcançassem privilégios que deveriam se manter restritos aos frequentadores do clube. “Práticas como penalizar o uso de uma peça que não fosse do uniforme, o ato de sentar durante o período de trabalho ou a exigência de se alimentar em uma área específica, fora do clube, designada para as refeições dos funcionários tidos como de baixo escalão são formas de evidenciar o lugar de uns e de outros naquela realidade”, explica Fernando Vianna, doutorando em Administração de Empresas na FGV EAESP e um dos autores do artigo.
O uniforme é apresentado pelos autores como uma das evidências de uma forma estruturada de exclusão excludente, já que o sujeito da ralé é incluído em uma condição de “uniformizado”, o que pode lhe poupar de frequentes abordagens policiais, mas também lhe marca como um “não-consumidor” de bons produtos e serviços. “A relação entre os funcionários que usam uniforme e os que não usam uniforme é estruturada para legitimar a hierarquia e a desigualdade social entre os grupos, desigualdade que é também reproduzida pelos próprios funcionários, que abaixam suas cabeças quando um sócio passa, e pelos sócios, que só cumprimentam funcionários com roupas semelhantes às suas”, destacam os autores.
As tensões entre inclusão e exclusão ficam evidentes até mesmo na função da televisão do clube, que segundo os autores exibe produtos e serviços voltados exclusivamente aos sócios merecedores, ainda que sejam cotidianamente observados pelos membros da ralé. “O funcionário é excluído da capacidade de consumo, mas está incluído em uma situação que pensa ser positiva, pois está trabalhando. Assim, essa inclusão em um trabalho precarizado exclui o trabalhador da possibilidade de aquisição daqueles bens, fazendo com que ele próprio se inclua em um grupo que se percebe como fracassado”, descrevem os pesquisadores.
Para a realização do estudo, um dos pesquisadores frequentou o clube diariamente por alguns meses, conversando com informantes chave e tomando notas de campo, que permitiram chegar às análises publicadas, que discutem de que modos a ralé é socialmente excluída de determinadas situações e incluída em outras, bem como os motivos para tanto.
“Esse processo de exclusão includente e de inclusão excludente resulta na manutenção da desigualdade social por meio de práticas aparentemente normais, justificáveis, institucionalmente aceitas e incentivadas”, explicam os autores, que descrevem que tal processo faz com que a ralé seja incluída e ou excluída por meio destas práticas, que consequentemente levam à reprodução e legitimação de uma condição social de precariedade.