Embora a Gestão da Cadeia de Suprimentos (GCS) tradicionalmente foque em produtividade e competição, a recente ênfase em questões ambientais e sociais destaca os danos causados por tais práticas. Os Estudos Críticos de Gestão (ECGs) emergem como uma abordagem alternativa, questionando abordagens tradicionais da GCS e visando desvendar os mecanismos de poder e controle organizacional, o que levaria a maior conscientização e emancipação de práticas dominantes.
Com o objetivo de explorar o quanto os ECGs podem contribuir para ampliar o debate do campo de GCS, os pesquisadores da FGV EAESP Ely Paiva e Rafael Alcadipani, em conjunto com um grupo de cientistas de outras universidades, fizeram uma revisão sistemática de literatura, publicada na Revista Supply Chain Managment. A revisão sistemática consistiu em analisar os principais periódicos científicos da área e palavras-chaves para análise de suas publicações em determinado período, classificando como o assunto de interesse foi abordado ao longo do tempo. Os pesquisadores selecionaram 28 palavras-chave relacionadas aos temas predominantes em ECGs, como “colonialismo”, “gestão crítica”, “diversidade”, entre outras. Utilizando o guia Academic Journal Guide (AJG) da Chartered Association of Business Schools do Reino Unido, foram identificadas as 13 principais revistas na área de GCS. Ao aplicar essas palavras-chave nos artigos das revistas publicadas entre 2012 e 2021, 103 artigos foram listados para análise.
A análise dos periódicos resultou em 4 temas principais relacionados aos ECGs nos estudos de GCS: “poder” com 67 artigos, destacando a influência da assimetria de poder nas relações interorganizacionais e a necessidade de métodos mais reflexivos; “ética e questões ambientais” com 36 artigos, que ressaltam a importância de um olhar crítico sobre iniciativas “sustentáveis” muitas vezes usadas para legitimar demandas; “diversidade” com 18 artigos, abordando a necessidade de mais estudos sobre sua influência nas relações na cadeia de suprimentos; e “condições de trabalho” com apenas 4 artigos, focando em sindicalização, participação democrática e escravidão moderna.
Como resultados, os pesquisadores apontam que as assimetrias de poder, desigualdade, exclusão e preconceitos são tópicos ainda pouco discutidos na GCS, apesar do avanço na adoção de práticas como manufatura enxuta e responsabilidade social. Estudos ECG revelam aspectos “ocultos”, como resistência dos trabalhadores a práticas de manufatura enxuta e a pouca relevância dada às mulheres e minorias étnicas nas análises tradicionais. Para uma mudança de enfoque na GCS, é essencial buscar outras abordagens epistemológicas, como a crítica, incluindo pós-colonialismo, Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e teorias marxistas.
Considerando esses aspectos, a combinação de abordagens de GCS e ECGs pode ser uma forma viável de desenvolver filosofias e ferramentas de gestão que possam apoiar a transformação necessária para que o mundo seja mais igualitário e sustentável. Os pesquisadores indicam que gestores devem reconsiderar suas práticas rotineiras, indo além dos aspectos de desempenho ao enfatizar as implicações éticas e ambientais.