Quando movimentos sociais se ancoram em elementos socioculturais convergentes com seus princípios, eles conseguem levar outros atores sociais, como marcas e consumidores, a atuarem de forma convergente com os seus objetivos. É o que aponta estudo inédito de pesquisadores da FGV EAESP, em parceria com pesquisadores da Universidad Adolfo Ibáñez (Chile), publicado em 10 de janeiro no “Journal of Marketing Management”.
Os autores identificam dois elementos principais do contexto sociocultural da Copa do Mundo de 2014, utilizados pelos movimentos sociais: a centralidade do futebol na cultura brasileira e a consolidação de uma cultura de protesto no país. Eles denominam de ancoragem o processo em que o contexto sociocultural fornece recursos que podem ser usados como referência por movimentos sociais.
Segundo o estudo, os movimentos sociais envolvidos nos protestos tinham o contexto sociocultural convergente com seus objetivos, e tiveram habilidade para eleger elementos que levaram a um engajamento da população com a causa. Através do slogan “Não Vai Ter Copa”, os ativistas passaram a questionar o legado do evento a partir de impactos como a intensificação da especulação imobiliária nas cidades-sede.
Tais movimentos sociais colocaram em risco a reputação da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e de marcas associadas ao evento. Para os autores, no entanto, a Copa também deixou como legado a pressão por mais transparência na indústria do futebol, a começar pela demanda das marcas patrocinadoras dos eventos esportivos pelo reposicionamento institucional da FIFA frente às acusações de corrupção.
Os autores também entendem que a mesma cultura de protestos que afetou a realização da Copa de 2014 impactou os processos políticos nos anos posteriores, como no anúncio do Brasil como sede da Copa América 2021. A contrariedade da população com a realização do evento em plena crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19 levou grandes patrocinadores a esconderem suas marcas durante o torneio.
Os pesquisadores recomendam que as marcas invistam recursos para compreender o contexto sociocultural no qual operam (e pelo qual são afetadas) e busquem se ancorar em elementos culturais para além de slogans e discursos. “Me Too, Black Lives Matter, diversidade… não importa qual é a bandeira que sua marca decida apoiar, ela sempre precisa entender como o contexto sociocultural e os atores institucionais atuando nesse contexto podem ser aliados ou combatentes, podem somar ou subtrair daquilo que a marca pretende fazer”, afirma Benjamin Rosenthal, um dos autores do estudo.