Como as vulnerabilidades sociais e o acesso à moradia impactam a saúde mental das pessoas? Pesquisa desenvolvida por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas em parceria com a TETO demonstrou que a melhora da qualidade da moradia, articulada à manutenção dos beneficiários em suas próprias comunidades, implicou em melhores condições de saúde mental.
Realizada durante a durante a pandemia de COVID-19, a investigação teve como objetivo estabelecer relações de causa e efeito entre o recebimento das moradias de emergência e diversos aspectos sociais e econômicos na vida dos moradores após a intervenção. A partir de técnicas econométricas, foi realizada avaliação de impacto que consistiu em comparar famílias que receberam as casas de emergência da TETO com famílias que não receberam, mas que eram igualmente elegíveis a receberem.
“A intervenção afetou positivamente indicadores de saúde mental dos beneficiários. Por exemplo, eles reportavam que estavam sofrendo menos com questões de ansiedade, tomando menos medicamentos de depressão. E a gente quis entender o porquê. E os resultados apontaram que tanto o aspecto da construção física numa casa melhor, quanto da interação com a comunidade são importantes para explicar esse ganho”, explica o pesquisador do FGV Cidades, Daniel da Mata, que integrou a equipe técnica do projeto.
O objetivo foi produzir um diagnóstico dos desafios enfrentados pelas favelas brasileiras durante a crise sanitária, abordando temáticas como infraestrutura precária e acesso à água; adesão às práticas de isolamento físico/social; emoções (dimensões de saúde mental e bem-estar subjetivo); vulnerabilidades (econômicas e sociais); políticas públicas; capacidades comunitárias; e solidariedade. A pesquisa contou com o financiamento da Fapesp/Sprint, Emory University e MIT.
Abordagem multidisciplinar
Daniel da Mata explica que um dos aspectos importantes da pesquisa foi seu caráter multidisciplinar, o que permitiu articular a avaliação quantitativa ao componente qualitativo, para entender melhor as nuances e validar os resultados. Foram realizadas 524 entrevistas quantitativas (374 com a amostra da avaliação de impacto e 150 com pessoas cadastradas em outras pesquisas da TETO, somando 31 comunidades). Complementarmente, 56 lideranças foram entrevistadas entre os meses de maio a junho de 2020, nos seis estados onde a TETO atua no Brasil: Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Pernambuco.
Entre os resultados, a pesquisa identificou um alto índice de vulnerabilidade entre os entrevistados, com taxa de desemprego de 45%, superior à taxa geral da população, que variou entre 12,3% e 13,1% no mesmo período. Além disso, 46,5% das famílias relataram dificuldade para comprar comida, e 58% disseram que deixaram de comprar alimentos que geralmente comem.
Quanto aos aspectos emocionais, 30% dos entrevistados relataram ter a tristeza predominando durante a maior parte do dia. Pouco mais do que 30% também afirmou se sentir “sozinho(a)” ou “isolado(a)”. E mais de 50% se sentiram preocupado ou preocupada grande parte do dia anterior. 22% das pessoas disseram se sentir mais “estressadas que o normal”. Outro aspecto analisado foi referente à qualidade do sono: 34% das pessoas afirmaram ter um sono “regular”, “ruim” ou “péssimo” somando 34%. Na análise de impacto, foi verificada que o acesso à melhoria habitacional da TETO implicou em melhores índices nos níveis de preocupação, menor solidão, menos uso de medicamento de depressão ou ansiedade e menos estresse.
“Estamos falando de uma população muito pobre, que também sofre com a saúde mental e que, além de tudo, tem esse problema de moradia muito forte. E a intervenção (da TETO) foi logo antes da pandemia. Então, de repente, você tem uma pandemia, algumas pessoas têm casa, outras não. Nesse contexto de crise sanitária, esses tipos de problemas psicológicos ficam mais salientes. Poderíamos imaginar um efeito atenuado, já que todos estariam mal, mas os resultados indicaram que quem recebeu a casa ficou menos mal”, relatou Leonardo Bueno, pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público (CEPESP/FGV).
O estudo relacionado à pandemia de COVID-19 é parte de um conjunto de pesquisas elaboradas pela TETO e FGV. A organização social trabalha em comunidades vulneráveis espalhadas pelos maiores centros urbanos do Brasil. A parceria teve início em 2018, a partir do interesse em entender o impacto da construção das moradias de emergência na vida das famílias que vivem em condições precárias nos assentamentos brasileiros.
A pesquisa foi realizada pelos pesquisadores Leonardo Bueno, George Avelino Filho, Ciro Biderman da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Daniel da Mata da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP), e da Natália Bueno da Universidade Emory (USA).
Importância da teia social
Segundo Da Mata, para além da avaliação de impacto em si, a pesquisa traz como ganho trazer pistas mais gerais, que podem servir para outros tipos de intervenções e políticas públicas habitacionais. O pesquisador explica que a temática do capital social e da teia social e seus impactos na saúde mental aparecem comumente em pesquisas que retiram o morador de uma determinada área para outra, como por exemplo, uma remoção de uma comunidade para morar em outro bairro, num conjunto habitacional.
“Você tem pesquisas mostrando que esse tipo de intervenção rompe a teia social e tem implicações negativas em termos de confiança. O que a gente está mostrando é um tipo de intervenção in loco, feita na comunidade da pessoa, sem nenhum tipo de realocação para outra área. Então, o beneficiário da TETO tem a mesma vizinhança, o mesmo contato com familiar. A gente mostrou que, mesmo nas intervenções in loco, a questão do capital social, da confiança é importante para explicar os resultados na intervenção”, ressaltou.
A pesquisa identificou que as diversas iniciativas de solidariedade entre residentes e instituições de apoio tiveram papel fundamental na formação de uma rede de apoio às comunidades. Também foram encontrados impactos positivos sobre relações de confiança durante a crise, além da promoção de maior confiança nas lideranças comunitárias.
“Desenvolver as lideranças locais é sempre desejável, mas no contexto de crises, como nessa pandemia, a resiliência das comunidades fica ainda mais dependente de uma liderança forte e legitimada, como mais uma vez nossos dados apontam”, ressaltam os pesquisadores no Sumário Executivo.
Texto de Clarissa Viana – FGV Cidades