Parcerias entre países do hemisfério sul em projetos de saúde podem gerar reflexões com potencial de alterar questões estruturais, mostra um estudo realizado por uma pesquisadora da FGV EAESP. Ao analisar as estratégias discursivas e o conflito político entre Moçambique e Brasil diante das decisões sobre a melhor forma de implementar uma fábrica de medicamentos, a pesquisadora apontou que as divergências de visões levaram a reflexões. “O Brasil queria privilegiar o Estado na governança da fábrica de medicamentos, e Moçambique, num certo ponto, precisava atrair capital externo ou interno, e pensou até em privatizar a fábrica”, resume a pesquisadora.
Após algumas negociações, os dois governos chegaram a um consenso sobre o destino da fábrica, mantendo-a sob a tutela do Estado, mas com abertura na bolsa de valores para a atração de 35% de capital privado. “Considero essa mudança de entendimento, segundo o qual a fábrica é vista como uma ferramenta essencial para o Estado moçambicano, como uma mudança estrutural”, aponta Achcar.
A partir de uma metodologia qualitativa, que realizou diversas entrevistas com stakeholders moçambicanos, a pesquisa aponta que Moçambique mudou seu entendimento geral sobre a fábrica, sobre quem deveria gerenciá-la, seu papel na saúde pública e a importância dela para a soberania do país, ficando mais alinhada ao entendimento da brasileira Fiocruz, principal agência governamental envolvida no projeto.
“Isso não quer dizer que Moçambique abandonou a ideia de privatização, ou que seu entendimento sobre o setor de saúde se alinhou completamente ao do Brasil. Mas houve, sim, um alinhamento entre os diversos stakeholders dos dois países”, conclui a pesquisadora.