O crescimento do crédito ofertado à pessoa física no Brasil nos últimos dez anos não necessariamente corresponde a melhores condições de vida e bem-estar da população. No período, houve diminuição da participação do crédito imobiliário, de maior qualidade e que envolve juros menores, e aumento de créditos relacionados a consumo, mais associados ao endividamento.
A constatação é do estudo “Evolução do crédito para pessoas físicas no Brasil e suas distorções”, publicado em maio pelos pesquisadores do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV EAESP (FGVCemif) Lauro Gonzalez, João Pedro Haddad e Julio Leandro.
Os autores apresentam a evolução do crédito total a pessoas físicas (PF) e pessoas jurídicas (PJ) no Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) entre 2012 e 2022. O estudo verifica queda gradual da participação do crédito a PJ de 26,8% para 21,6% e crescimento contínuo de crédito para PF, que variou de 22,4% para 32,1% ao fim da série.
Os pesquisadores observam que o saldo de crédito imobiliário para pessoa física se mantém relativamente constante em 9% desde 2016, enquanto o crédito não imobiliário, como consignado, crédito pessoal e cartão de crédito, cresceu de 16,4% para 22,7% no mesmo período. “Pelo lado da oferta, a estagnação do crédito imobiliário e a queda do crédito PJ, que em grande medida espelham a falta de crescimento do país nos últimos anos, podem ter criado incentivos para expansão do crédito ao consumo, que hoje parece excessivo frente ao PIB”, observa o texto.
O estudo também compara os dados brasileiros sobre crédito a pessoas físicas na década analisada com resultados de outros países. Em 2022, o serviço de dívidas gerou comprometimento de renda das famílias brasileiras na faixa de 27,5%, contra 9,5% registrados nos Estados Unidos. Somente 2,1% dessa dívida é de ordem habitacional no Brasil, contra 3,9% dos Estados Unidos.
Os especialistas chamam atenção para o comprometimento da renda da população diante do uso de crédito para consumo. “Há espaço para o crescimento de crédito para empresas e imobiliário, porém, há indicações de que o crédito PF voltado para consumo já alcançou níveis semelhantes aos de países desenvolvidos, considerando volume em relação ao PIB e participação na dívida total das famílias.”, analisa o coordenador do FGV Cemif, Lauro Gonzalez, em publicação na rede social Twitter em 17 de maio. “Avanços na inclusão financeira demandam aumentar a participação de crédito de maior qualidade”, completa o pesquisador.