Muitos brasileiros não conseguiram receber o auxílio emergencial oferecido durante a pandemia de Covid-19 devido à exclusão digital, revela um estudo do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGVcemif). A falta de habilidade para lidar com dispositivos digitais e as limitações de acesso à internet foram algumas das barreiras encontradas por esses trabalhadores para conseguir o auxílio, que voltou a ser pago no mês de abril, após interrupção de três meses.
O relatório mostra, ainda, que trabalhadores das classes D e E foram mais afetados por essa exclusão digital com relação ao auxílio. Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif, lembra que um em cada quatro brasileiros ainda não utiliza a internet, proporção que representa aproximadamente 47 milhões de pessoas, a maior parte das classes D e E. “Isso acaba sendo um problema, já que as pessoas dessas classes são justamente aquelas que estão em maior condição de vulnerabilidade social e precisam de políticas de transferência de renda”, destaca González, que é um dos autores do estudo.
Tendo como base os dados secundários da segunda edição do painel TIC Covid-19 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), o estudo aplicou um questionário com usuários de internet com mais de 16 anos, de todas as regiões do país, Dentre estes entrevistados, 38% afirmaram ter conseguido receber o auxílio emergencial. No entanto, 20% tiveram suas solicitações negadas, ou seja, não receberam o auxílio emergencial mesmo tendo se cadastrado no programa. Considerando apenas a porção de pessoas das classes D e E, a porcentagem de solicitações negadas sobe para 23%.
Entre os motivos para o não recebimento do auxílio, são apontadas tanto barreiras tecnológicas como de falta de habilidade de manuseio do aplicativo do programa do auxílio emergencial, disponibilizado pela Caixa. No primeiro grupo estão dificuldades como não ter um celular, não ter um espaço de armazenamento suficiente para baixar ou armazenar o aplicativo e não ter acesso a internet no aparelho. Com relação ao manuseio, temos a falta de habilidade dos solicitantes em baixar e utilizar o aplicativo para solicitação do benefício.
A falta de acesso a um celular é um motivo que afetou quase três vezes mais usuários das classes D e E na comparação com o total dos solicitantes que tentaram pedir, mas não receberam o auxílio emergencial do governo federal. “Cerca de 20% dos usuários de internet das classes D e E apontam indisponibilidade do celular como uma das razões para não conseguir o benefício”, reforça Gonzalez
As limitações no acesso à internet, que afetaram 9% do total de solicitantes, também são bem piores para os usuários das classes DE, afetando 22% destes solicitantes do auxílio emergencial. Dificuldades pessoais no download do aplicativo para celular da Caixa também aparecem com porcentagem duas vezes maior nas classes D e E (18%) do que o informado pelo total de entrevistados (9%). Ainda, 28% dos usuários das classes D e E relataram falta de habilidade em utilizar o aplicativo após tê-lo baixado em um aparelho celular contra 12% do total dos entrevistados.
Diante destes dados, os autores frisam que é fundamental que a disponibilização do auxílio emergencial, que é voltado para a população mais afetada pela pandemia da Covid-19, seja realizada em interfaces amigáveis, intuitivas e alinhadas às especificidades dos dispositivos móveis destes usuários. Além disso, é fundamental o papel das prefeituras e profissionais que atuam em nível local, em contato direto com os usuários dos serviços de assistência social. São eles os principais responsáveis pela implementação, podendo dirimir dúvidas e auxiliar a população a superar obstáculos para o uso da tecnologia. “A formulação e implementação de políticas públicas precisa levar em consideração a realidade da baixa renda no uso de tecnologias, sob pena de não atingir seus objetivos ou promover mudanças ‘para pior'”, alertam os autores do estudo.
Os pesquisadores não deixam de reconhecer o papel fundamental da Caixa na implementação do Auxílio Emergencial e de outros programas semelhantes, mas se mostram especialmente preocupados que, sob o pretexto de reduzir custos com as políticas de proteção social, os formatos de auto cadastramento através de aplicativos acabem escancarando a histórica desigualdade socioeconômica brasileira, que se espelha em diversas outras desigualdades, como é o caso da exclusão digital. “A despeito dos progressos inesperados em meio à pandemia, a inclusão digital continua sendo uma promessa para as classes D e E”, concluem.