Para driblar o esquecimento e impulsionar o desenvolvimento de regiões negligenciadas, associações coletivas são mecanismos estratégicos. Territórios historicamente excluídos das ações governamentais podem se beneficiar de acordos cooperativos entre atores locais para aprimorar aspectos econômicos e sociais – como o produtivismo e a qualidade de vida da população. Duas iniciativas se destacam: consórcios intermunicipais e cooperativas de economia solidária. Ao retomar a confiança política entre os municípios e estabelecer ações de governança colaborativa, as organizações contribuem para enfrentar o desenvolvimento precário dos territórios.
A reflexão está em capítulo publicado pelos pesquisadores da FGV EAESP Bianca Barp, Eduardo Grin, Luis Paulo Bresciani e Danilo Gonçalves dos Santos no livro “Regional Development and Forgotten Spaces”, da editora Routledge. Os autores entendem regiões esquecidas como regiões historicamente negligenciadas quanto a seu desenvolvimento, considerando fragilidades na economia, infraestrutura e padrões de vida.
Para investigar como esses espaços podem implementar estratégias para enfrentar e superar crises de desenvolvimento, os autores realizaram um estudo de caso no Vale do Ribeira – região brasileira no estado de São Paulo com baixos índices sociais e econômicos. Ao todo, foram realizadas 12 entrevistas com cinco tipos de atores sociais e políticos envolvidos com o território em níveis de governo local, atividade comercial e associações coletivas – incluindo líderes de cooperativas solidárias de agricultores, assessores de consórcios intermunicipais, prefeitos e empresários da indústria mineradora.
De acordo com os autores, a negligência com o Vale do Ribeira é um fenômeno multidimensional com aspectos objetivos e subjetivos, sendo resultado de uma série de fatores que incluem fragmentações políticas, falta de ações governamentais e predominância de pensamentos conservadores na região. Um exemplo é a presença histórica de lideranças políticas sem perspectivas futuras para a região e a falta de integração entre as diferentes cidades, o que acaba dificultando o pleno crescimento da região. Para lidar com o problema, associações coletivas vêm desenvolvendo novos modelos de governança colaborativa para retomar a expansão local.
Dentre as iniciativas, os autores destacam o papel do Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (CODIVAR), aliança associativa entre os municípios que compõem a região. O programa é responsável por projetos relacionados à criação de uma identidade territorial para a região, a exploração sustentável de seus recursos naturais, a geração de empregos e incentivos para jovens trabalhadores e o estabelecimento de conexões entre os diferentes municípios. Já a Cooperativa Central dos Produtores Rurais e da Agricultura Familiar (Coopercentral-VR) – formada por 12 cooperativas que incluem grupos como os quilombolas e os trabalhadores sem terra – foca, principalmente, na infraestrutura compartilhada, na construção de confiança entre produtores rurais e cooperativas e na participação em conselhos municipais e outros programas políticos relacionados ao desenvolvimento rural.
Apesar do papel central das associações em elaborar soluções para driblar o problema, os autores ressaltam que o papel de níveis superiores do governo ainda é essencial para a implementação de políticas públicas para o desenvolvimento. Apesar de esforços para o incremento do território – como a criação do programa Vale do Futuro, em 2019, com o objetivo de impulsionar a economia local – a ação governamental ainda apresenta impasses. No nível local, frequentemente os líderes políticos priorizam o ganho de lucros privados ao crescimento regional; em nível nacional, as legislações limitam o acesso a recursos por regiões necessitadas, como é o caso do Vale. Nesse cenário, mobilizações coletivas como a CODIVAR e a Coopercentral-VR são uma saída estratégica para aumentar a união territorial e as negociações políticas em favor do crescimento do Vale do Ribeira.