A corrupção no contato direto entre cidadãos e funcionários públicos frequentemente se manifesta por meio de subornos, sendo uma realidade cotidiana em muitos países com instituições frágeis. Essas práticas não apenas impõem custos diretos aos cidadãos que acessam serviços públicos, mas também minam a confiança no governo e a eficiência administrativa. Recente pesquisa explora como os fardos administrativos, associados à burocracia excessiva, criam incentivos para suborno, agravando os desafios enfrentados pelos cidadãos.
A pesquisa foi conduzida por Gabriela Lotta (FGV EAESP) em parceria com os pesquisadores mexicanos Fernando Nieto-Morales e Rik Peeters. Eles utilizaram dados da Pesquisa Nacional Mexicana sobre Qualidade e Impacto Governamental (INEGI). Juntos, analisaram mais de 63 mil interações burocráticas relatadas por quase 25 mil cidadãos em áreas urbanas do México, com métodos de regressão logística multinível. Os resultados foram publicados na Journal of Public Administration Research and Theory.
Quanto maior a disfunção burocrática, maior a chance de haver uma tentativa de suborno
A análise revelou uma correlação positiva entre fardos administrativos e suborno em interações burocráticas. Ou seja, processos longos e com custos elevados, como documentação formal ou denúncias de crimes, aumentam a probabilidade de subornos, pois cidadãos buscam atalhos para superar barreiras burocráticas.
Adicionalmente, burocratas com maior discricionariedade têm mais oportunidades de exigir subornos. Por exemplo, serviços que dependem de decisões subjetivas, como inspeções municipais, apresentam taxas significativamente maiores de corrupção pois depende muito da perspectiva do profissional encarregado, deixando margem para subjetividade. Por outro lado, interações envolvendo serviços essenciais, como abastecimento de água e eletricidade, têm menor prevalência de suborno devido à natureza mais objetiva desses processos.
Outro fator determinante é que os casos de suborno começam quando um cidadão busca resolver um problema, como uma licença ou um serviço público. Quando essas situações envolvem disfunção burocrática— ou seja, processos longos, complicados ou cheios de regras —, as pessoas podem se sentir pressionadas a pagar suborno para acelerar as coisas ou superar essas dificuldades. Isso acontece porque essas disfunções criam barreiras que tornam mais difícil conseguir o que é necessário de forma simples e direta. Isso pode aumentar a chance de práticas ilegais.
Os pesquisadores sugerem que mesmo em um contexto de corrupção endêmica, nem todas as formas de discricionariedade parecem ser iguais. Os cidadãos podem utilizá-las para mitigar custos psicológicos e de aprendizagem que venham a ter. Isso sugere que o papel da discricionariedade e da atitude do cidadão na moderação da relação entre fardos administrativos e suborno é mais complexo do que se esperava.
Os resultados evidenciam que fardos administrativos são um terreno fértil para suborno, especialmente quando associados a processos complexos e à discricionariedade de burocratas de rua. No entanto, a existência de alternativas institucionais – como opções privadas ou formas simplificadas de acesso a serviços – pode mitigar significativamente esse problema.
Essas descobertas sugerem a necessidade de reformar processos burocráticos para reduzir fardos administrativos e limitar a discricionariedade excessiva. Além disso, o fortalecimento de instituições públicas pode ser uma solução eficaz para minimizar a corrupção em contextos de vulnerabilidade institucional.
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