Após décadas de esforços em diversos países para descentralizar a responsabilidade sobre políticas públicas e assim mover maior poder para as mãos de governos estaduais e/ou municipais, uma pesquisa agora dá indícios de que caminho inverso, com a recentralização no governo federal das decisões em políticas públicas de saúde e sociais, pode ser mais benéfico.
Os indícios vieram de estudos sobre casos específicos, como o da recentralização da compra de medicamentos para o tratamento da Hepatite C no Brasil, realizados por pesquisadoras da FGV EAESP em colaboração com a London School of Economics, com apoio da Newton Fund.
Por meio de entrevistas com os principais gestores e atores envolvidos nesse processo e de análises de dezenas de documentos sobre a criação e o desenvolvimento do Programa Nacional de Hepatites Virais no Brasil, os resultados preliminares indicam que os governos estaduais não se opuseram à perda da atribuição e autonomia de compra dos medicamentos, que desde 2006 passou a ser responsabilidade do Ministério da Saúde.
Os achados do estudo, ainda em caráter preliminar, foram apresentados na 5ª Conferência Internacional sobre Políticas Públicas, que ocorreu em julho de 2021 na Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona, Espanha. Na ocasião, Luísa Bolaffi Arantes, uma das autoras do estudo, notou que, em comparação com outras apresentações do painel, que incluía casos de recentralização de políticas públicas na China, México e África do Sul, o exemplo brasileiro tratou de efeitos positivos desse processo, enquanto os demais se deram à revelia dos governos subnacionais. “No caso dos medicamentos para a Hepatite C, a decisão de centralizar foi bem aceita pelos governos estaduais”, explica Arantes.
A pesquisadora conta que antes da recentralização dessa política pública no Ministério da Saúde, o alto custo dos medicamentos e o fato de o valor repassado pelo governo federal ser constantemente inferior ao preço cobrado pelas farmacêuticas representavam os principais entraves e desgaste para os estados. Como consequência, havia falta de tratamento e grande insatisfação dos pacientes na rede pública de saúde.
Segundo Arantes, a análise preliminar mostra que “os governos estaduais entenderam a recentralização como uma oportunidade de abrir mão de uma responsabilidade que poderia causar pressão geradora de culpa para eles”. Ou seja, mesmo que supostamente desejassem a autonomia para poder levar os créditos de fornecer remédios à população, o ônus da falta, devido à crise de fornecimento regular, era mais arriscado do que abrir mão da compra para o Ministério, quando este fez a proposta.
A experiência com os medicamentos da Hepatite C criou, segundo os pesquisadores, um legado institucional importante, servindo de exemplo para a recentralização das compras de outros medicamentos de alto custo. As entrevistas com os gestores também sugerem que, além da recentralização ter levado a uma redução de custo do fármaco (devido à maior capacidade de barganha do Ministério da Saúde), também permitiu uma distribuição mais igualitária do tratamento da doença.