A globalização não é um objeto de estudo claramente definido, mas um conjunto de dinâmicas transfronteiriças globais, econômicas e não econômicas, que exigem uma análise crítica e contínua. Essas dinâmicas operam tanto em nível global quanto em níveis nacional e subnacional (regional e local), envolvendo uma variedade de atores, como Estados, organizações estatais e não estatais, empresas e movimentos sociais.
Com o objetivo de abordar os desafios conceituais e contextuais associados ao estudo da globalização, o professor da FGV EAESP, Alexandre Abdal, elaborou artigo para a Revista Brasileira de Ciências Sociais, considerando a proliferação indiscriminada no discurso acadêmico e social do termo “globalização”. Nele, o professor destacou a necessidade de uma abordagem mais refinada que reconheça a complexidade e a natureza processual de longo prazo desse fenômeno social. Para isso, o professor se utiliza da abordagem de Análise dos Sistemas Mundiais para a análise da globalização.
Com uma narrativa histórica analítica desde o início do processo de globalização, Abdal demonstra o crescimento da competitividade internacional, em detrimento de qualquer esforço redistributivo por parte dos Estados nacionais. A globalização é fenômeno recente, de aproximadamente 50 anos, enraizado nos desdobramentos da crise do regime de acumulação fordista-keynesiano ou do capitalismo organizado, identificado como uma nova economia simultaneamente informacional e global.
Assim, a formulação e implementação da globalização envolve duas tarefas. Primeiro, a destruição de antigas regulamentações e institucionalidades consolidadas no pós-Segunda Guerra e que implicavam economias e sociedades relativamente fechadas. A segunda tarefa é a regulação da atuação, em território nacional, de agentes não nacionais, como corporações e empresas, organizações não governamentais, representações de organismos internacionais e movimentos sociais, tornando economias e sociedades mais abertas. Segundo o autor, há três macroprocessos globalizantes: dispersão mundial da produção manufatureira, reestruturação produtiva e organizacional e surgimento da política locacional.
O resultado do artigo é a reconstrução da globalização enquanto categoria analítica, entendida enquanto feixe heterogêneo de dinâmicas globais transfronteiriças, multiescalares e multidimensionais, cotidianamente produzidas, reproduzidas e reguladas por um conjunto de atores, dentre os quais o Estado desempenha papel central. Também conclui que a globalização é situada na crise do regime de acumulação fordista-keynesiano (ou do capitalismo organizado) a partir dos processos de dispersão global da produção, reestruturação produtiva e emergência da política locacional. Por fim, também afirma que é situada no médio prazo do capitalismo histórico, mais precisamente na fase de expansão financeira do Ciclo Sistêmico de Acumulação estadunidense e pelos movimentos de reunificação do mercado mundial.
O autor finaliza que a implementação da globalização gerou impactos negativos, incluindo aumento das desigualdades sociais e desequilíbrios no mercado de trabalho. Cerca de vinte anos depois, surgiram forças políticas autoritárias, conservadoras e populistas, que se apresentam como defensoras dos perdedores da globalização e promovem uma suposta identidade nacional. As democracias liberais foram questionadas pela sua ligação com o mercado mundial em detrimento das populações locais. Assim, a ascensão da China como beneficiária da globalização introduziu três cenários futuros possíveis: os EUA recuperarem a liderança global talvez às custas da integração global, EUA não recuperarem sua liderança e impedirem outros de o fazerem, instalando um caos sistêmico sem liderança clara, ou a China reconstruir a ordem global com um novo projeto contra-hegemônico e antineoliberal de globalização.