No mês de agosto a FGV EAESP promoveu um seminário com Cecilia Rikap, professora e pesquisadora da City, University of London, sobre monopólios de conhecimento e o impacto das tecnologias da quarta revolução tecnológica, como inteligência artificial (IA), computação em nuvem e digitalização sobre a inovação e a organização industrial em diversos setores de atividade.
As tecnologias da quarta revolução tecnológica alteraram profundamente os processos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, especialmente em Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), farmacêutica e saúde. Como exemplo, Rikap destaca que a disparidades global no acesso às vacinas contra COVID-19 é resultado dos possíveis impactos dos monopólios de conhecimento e das assimetrias tecnológicas entre países. Apesar da variedade de plataformas tecnológicas de vacinas disponíveis, enquanto alguns indivíduos do norte global já haviam recebido diversas doses de imunizantes, uma parte considerável do sul global ainda esperava receber suas primeiras doses.
O seminário discutiu como o conhecimento e o avanço tecnológico em IA estão sendo monopolizados por grandes empresas de TICs – como Google, Amazon, Microsoft, Tencent and Alibaba – através da utilização de plataformas em nuvem. Também discutiu-se as estratégias de subordinação de empresas e organizações de outros setores e regiões à lógica capitalista na era digital. A concepção usual de inovação pressupõe que as empresas enfrentam oportunidades similares para introduzirem inovações no mercado. Rikap alerta para o surgimento de um novo padrão guiado pela liderança tecnológica de grandes empresas inovadoras que vencem consecutivamente corridas por inovação, superando repetidamente concorrentes. Essas empresas não são inovadoras ocasionais, elas sempre convertem novos conhecimentos em ativos intangíveis e os utilizam para introduzirem produtos e serviços inovadores no mercado.
A combinação do uso de direitos de propriedade intelectual, estratégias de sigilo empresarial, fusões e aquisições, investimentos em startups, colaborações com universidade e capacitações empresariais de gerenciamento e de absorção favorecem o surgimento dos monopólios de conhecimento. Rikap relembra que o estoque de conhecimento e a condução interna de atividades de pesquisa e desenvolvimento moldam a capacidade das empresas acessarem universidades, institutos públicos de pesquisa e outras empresas. Neste sentido, empresas que se encontram na vanguarda do conhecimento são mais hábeis em adotar novas informações e potencialmente transformá-las em inovações antes da concorrência.
Essa dinâmica é reforçada na era digital pela confluência de fatores como o aumento dos custos de pesquisa e desenvolvimento, a adoção em nível global do regime de direitos de propriedade intelectual e mudanças institucionais no sentido da redução do papel do Estado na orientação das atividades econômicas em setores estratégicos. A conjunção destes fatores explica, em parte, a concentração setorial dos impactos de AI sobre monopólios de conhecimento em atividades de TICs e saúde.
Um exemplo dos impactos difusos das novas tecnologias remonta ao uso da internet e das plataformas de redes sociais, mesmo antes das aplicações de aprendizagem de máquina como o Chat GPT. Nas aplicações de IA, a utilização de novos dados e o processamento cumulativo destes por algoritmos em estruturas tangíveis de computação e armazenamento em nuvem reforça a monopolização do conhecimento. Os grandes processadores são controlados por poucas grandes empresas que oferecem serviços tecnológicos atrelados à nuvem e o aprendizado digital torna os algoritmos melhores e mais precisos com o aumento do uso. Assim, empresas e organizações de diversas atividades econômicas se tornam mais dependentes dos serviços em nuvem para realização de suas tarefas rotineiras. Ao aceitarem termos e condições oferecidos pelas empresas que controlam essas plataformas, essas empresas se subordinam à lógica das grandes empresas de tecnologia.
No contexto das teorias do desenvolvimento, Rikap reforça que, em parte, o conhecimento tecnológico é gerado no norte global e adotado de forma subordinada por empresas e instituições do sul global. Porém, as empresas e as universidades do sul global também geram conhecimento de fronteira. Dois exemplos, são as empresas Mercado Livre na Argentina e Stone no Brasil que adotam uma modelo de subordinação estratégica, resguardando uma margem para desenvolvimento local de tecnologias e para a coordenação de subsistemas dede inovação em seus países. Apesar da identificação de casos de relativo sucesso, Rikap alerta para a possibilidade de que essas empresas sejam futuramente adquiridas, operem através de acordos de governança subordinada ou, ainda, tenham seus colaboradores mais capacitados contratados pelas líderes globais.
(Texto de Nathalia Alves – pesquisadora de pós-doutorado FGV EAESP e bolsista Fapesp)