A pandemia de Covid-19 já é considerada a maior crise global do último século e pesquisadores do mundo todo têm quantificado o seu impacto e analisado como diferentes políticas públicas alteram os efeitos da pandemia em cada nação. Esse é um dos principais objetivos do livro “Coronavirus Politics” (“Políticas do Coronavírus”, em tradução livre), que analisa as decisões políticas de países dos cinco continentes — incluindo o Brasil.
A obra foi organizada e liderada pela professora Elize Massard da Fonseca, da FGV EAESP, com apoio da Fapesp, em conjunto com dois professores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, Scott Greer e Elizabeth King. O trio coordenou colaborações de mais de 60 autores. O resultado é um retrato amplo, inédito e aprofundado de como diferentes países responderam à mesma situação de saúde pública em 2020.
Entre os principais achados está o entendimento de que na maioria dos países estudados as políticas de saúde adotadas – como o distanciamento social, o uso de máscara e o estabelecimento de lockdowns – estiveram dissociadas de políticas sociais que permitiam que as pessoas de fato ficassem em casa, o que dificultou que a população conseguisse cumprir com tais intervenções para a contenção do espalhamento do vírus.
Variações de respostas à pandemia
De acordo com os coordenadores da obra, houve grande variação internacional de resposta à Covid-19, levando a trágicos resultados em países EUA, Brasil, Espanha e Índia. Enquanto isso, Vietnã, Alemanha, Coreia do Sul e Noruega tiveram melhores resultados no enfrentamento da pandemia. China e Vietnã, por exemplo, fecharam 2020 com poucos casos da doença, enquanto Alemanha e Canadá observaram persistência na propagação do vírus e constantes mudanças de protocolos do seu enfrentamento.
Além disso, líderes considerados controversos como Donald Trump (EUA), Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Pinera (Chile) e Boris Johnson (Reino Unido) agiram de forma autoritária (e até excêntrica) na resposta à Covid-19 por conta dos poderes constitucionais que têm para tal em seus países. “O presidencialismo e os governos autoritários, em geral, garantem a esses líderes instrumentos poderosos, o que nas mãos de um negacionista-populista pode ter efeitos devastadores para a resposta à Covid-19”, ressalta Fonseca.
O esforço comparado do livro “Coronavírus Politics” também permite observar e compreender quais variáveis importaram (ou não) na resposta dos diversos países a uma crise que foi comum a todas as nações do planeta, que vão desde a capacidade do sistema de saúde, regimes de governo e políticas sociais de auxílio aos mais afetados.
Os casos analisados sugerem que as capacidades estatais importam menos na forma como os países estabeleceram suas políticas de saúde em 2020. “Diversos governos poderiam ter respondido melhor à pandemia. Nações desenvolvidas como Itália, Reino Unido e Espanha, que têm expertise em saúde pública, tiveram suas capacidades estatais anuladas em detrimento de ações políticas”, comenta Fonseca, que reforça que as capacidades estatais são necessárias para responder à pandemia, mas precisam ser utilizadas de forma que possam de fato conter o avanço da epidemia.
O caso brasileiro
A análise brasileira mostra que o controle da pandemia poderia ter dado certo, já que havia a capacidade de resposta do Sistema Único de Saúde. Apesar disso, o país falhou em responder e conter a pandemia, especialmente por conta da falta de coordenação entre os poderes federais, estaduais e municipais. “O executivo tem poderes constitucionais fortes, como nomear ministros da saúde, emitir decretos, vetar decisões de congressos, e usou esses poderes para avançar uma agenda de diminuir a importância da pandemia, propor soluções controversas e usar a cadeia de rádio, TV e as mídias sociais para criticar a Organização Mundial da Saúde (OMS)”, observa Fonseca.
Muitos líderes optaram pela estratégia de transferir a culpa para outros agentes – como a OMS, a China ou governos subnacionais (como estados e municípios) – chamando para si o crédito por medidas mais populares – como o auxílio emergencial ofertado nos EUA e no Brasil. “Essa estratégia prejudica a coordenação de políticas públicas, que são essenciais na resposta a epidemias de doenças infectocontagiosas”, explica Fonseca. Por outro lado, a pesquisadora destaca que o modelo federalista permitiu uma capacidade de resposta autônoma dos estados. “A situação só não foi pior porque os governadores agiram, ainda que de forma descoordenada”, conclui.
Com o lançamento da obra, a expectativa dos organizadores é promover discussões de âmbito global para compreender quais as variáveis institucionais e políticas que explicam as decisões de políticas públicas de saúde dos países na resposta à pandemia do Covid-19, de forma a nos preparar para lidar com as próximas crises e pandemias que podem surgir no horizonte.
As análises de “Coronavírus Politics” se restringem as decisões tomadas a primeira onda da pandemia, encerrando as análises por volta de setembro de 2020, mas os pesquisadores continuam de olho no tema. “Já estamos nos preparando para lançar um segundo livro que continua as discussões desse primeiro volume, dessa vez com foco na aprovação das vacinas contra a Covid-19”, revela Fonseca.