Desde os anos 1990 as metrópoles brasileiras têm sido profundamente transformadas pela agenda neoliberal, caracterizada pelo crescente “gerencialismo” privado no setor público e pela financeirização global das economias. Esse movimento resultou em transformação da gestão pública nas metrópoles, onde agentes privados passaram a manejar recursos públicos vultosos. Portanto, tais agentes (com ou sem fins lucrativos) têm implementado a lógica empresarial que esvazia as capacidades estatais e transforma o próprio conceito de governança.
Os pesquisadores Francisco Fonseca, da FGV EAESP, e Lúcio Viana, do Senac, publicaram um capítulo no livro “A Cidade no Debate Contemporâneo”, examinando o surgimento das Organizações Sociais (OSs) e, em particular, das Organizações Sociais de Saúde (OSS) na região metropolitana de São Paulo. Utilizando fontes documentais e indicadores, a pesquisa analisou como a prevalência de “governos empresariais” impacta a gestão pública.
A pesquisa revela que a adoção de padrões empresariais na gestão pública, iniciada na década de 1990, redefiniu conceitos de “eficiência” e “eficácia” que transformaram radicalmente as políticas públicas. Sendo assim, o movimento gerou regimes de “governança empresariais”, tal como apontado pelos autores Pierre Dardot e Cristhian Laval, em que a privatização do próprio conceito de governança se expressa em concepções, indicadores, métricas e cosmovisão empresarial na gestão e nas políticas públicas.
Um exemplo significativo é a área da saúde em São Paulo, em que a contratualização com as Organizações Sociais consome cerca de 50% do orçamento público do município, totalizando aproximadamente 5,5 bilhões de reais. Esses contratos transferem, portanto, grandes somas de recursos públicos para o setor privado sem que os aparatos estatais (Executivo, Legislativo, Judiciário e Tribunal de Contas) consigam monitorar e fiscalizar adequadamente tanto a aplicação como sua. Além disso, tais padrões de gestão advindos do setor privado mostram-se muitas vezes desalinhados das necessidades públicas.
Os autores observam que a implementação dessa lógica empresarial na gestão pública tende a priorizar interesses empresariais e corporativos
Isso é particularmente evidente devido à baixa transparência e pouca capacidade de controle sobre os contratos com as OSs, que se iniciam com “chamamento público”, e não como licitação. Portanto, tanto a ausência de informações precisas sobre a atuação dessas organizações como a fragilidade fiscalizatória comprometem princípios básicos da administração pública, como a participação social, a transparência e a economicidade.
O estudo conclui que as evidências apontam para novas estratégias neoliberais que privatizam e desregulam o setor público. Ademais, tais arranjos remodelam o Estado e as políticas públicas com contornos privados e gerenciais. Essa transformação impõe dinâmicas que dificultam a “radicalização democrática” e o aprofundamento participativo e redistributivo.
Para enfrentar esses desafios, o debate sobre as reformas neoliberais necessita ser refinado, especialmente em relação ao conceito de “governança” nos regimes urbanos. Assim, a chamada “nova gestão pública”, gerencial e financeirizada, tem o poder de condicionar, remodelar e adaptar a gestão pública e as políticas públicas. Isso tem ampliado o controle privado sobre o que se denomina “público” no contexto brasileiro contemporâneo.
Por fim, a pesquisa oferece visão crítica sobre a transformação neoliberal das metrópoles brasileiras. Destaca a necessidade urgente de reavaliar as políticas públicas e os mecanismos de governança para assegurar que atendam efetivamente às necessidades da sociedade, mas – e esse é um aspecto essencial – sem cair na armadilha da polarização ideológica entre o público versus o privado.