Marcelo Aydar Sandoval – Pós-graduando do Doutorado Profissional em Administração da FGV EAESP.
O ESG (do inglês Environmental, Social and Governance) se tornou rapidamente um pilar estratégico de diversas instituições, considerado por muitos, essencial para a geração de valor aos stakeholders. Mas o que de fato ele representa? Existe consenso sobre seus objetivos, atribuição de responsabilidades e prioridades?
Em um momento em que amadurecem as iniciativas globais para a normatização e padronização das divulgações relacionados ao tema, é crucial avaliar a aplicabilidade desses novos arcabouços no contexto cultural de cada localidade. Caso tenham sucesso em promover a transparência e comparabilidade das informações, mas fracassem em capturar o que de fato é valioso para os indivíduos, expectativas serão frustradas.
A partir de 2024 veremos uma grande evolução na padronização de divulgações relacionadas ao ESG, quando se dá o início de implementações do IFRS S1 e S2 pelo Internacional Sustainability Standards Board ISSB. A padronização será vital para garantir a comparabilidade e a transparência das informações ESG. Permitirá que investidores e demais interessados avaliem e comparem o desempenho de diferentes empresas com maior transparência. Mas não podemos nos enganar: a sua implementação representa um esforço distinto e, de certa forma, mais complexo à padronização de demonstrações financeiras ou de normas contábeis. E por quê? Principalmente pela sua relatividade, abrangência e intangibilidade.
O que sustentabilidade representa para você?
Pense rapidamente em três temas que sejam representativos deste conceito e os classifique de acordo com a sua prioridade. O que o termo sustentabilidade representa para o seu vizinho ou para um parente próximo? Para alguém que mora em outro país ou que pertence a uma cultura totalmente distinta da sua?
Essa pergunta foi realizada pelo Instituto Ipsos em 2023, em pesquisa que envolveu pessoas de diversos países ao redor do mundo. Mais do que um exercício de linguística, o relatório traz contribuições fundamentais sobre o tema.
A primeira conclusão foi clara: a temática do meio ambiente se destacou das categorias relacionadas às práticas sociais e de governança. Foram os mais votados, nesta ordem de prioridades “Energia limpa e acessível”, “Encorajar indústrias que não prejudiquem o meio ambiente” e “Ação contra a mudança global do clima”. Esse resultado traz a percepção de uma aparente preocupação global predominantemente relacionada as questões ambientais quando se pensa em sustentabilidade.
No entanto, ao questionar “Quais são os três temas mais importantes a serem endereçados em seu país do ponto de vista da sustentabilidade?”, as respostas variam amplamente dependendo da região e do contexto sociocultural dos respondentes. Ainda que, de forma geral, em países europeus, as preocupações se mantenham voltadas para a inovação em energia limpa e a promoção de cidades sustentáveis, agora temas como redução da pobreza, educação de qualidade e acesso a serviços básicos ganham destaque. Em países como Brasil, México e Índia se observa uma mescla de preocupações sociais, refletindo a diversidade de desafios enfrentados por esses países.
Existe uma assincronia entre a percepção sobre o termo sustentabilidade e as prioridades efetivas das localidades: a proteção ambiental pode ser a imagem predominante, enquanto as necessidades locais muitas vezes se situam em outras esferas do ESG. A pesquisa demonstra desta forma a importância da cultura regional no que diz respeito à definição de valor e destaca a complexidade da sustentabilidade como um conceito global.
E por que isso é relevante?
Pois o ESG se fundamenta na capacidade de geração de valor de forma ampliada, a qual se sobrepõe as fronteiras das Instituições, integrada a diferentes grupos e comunidades. Algo subjetivo por natureza, dado que os valores, necessidades e prioridades são relativos. É relevante pois a subjetividade tem aqui impacto direto na credibilidade das práticas ESG.
Importante ressaltar o fato de estarmos no final de uma fase de euforia (o chamado hype cycle) no qual se observa, a exemplo, fluxo negativo em investimentos sustentáveis por investidores norte-americanos. Muitos já não acreditam na capacidade de ativos sustentáveis em gerar retornos superiores ao mercado no longo prazo. Neste contexto, prover transparência e proporcionar o alinhamento entre a estratégia empresarial e a geração de valor para stakeholders são medidas essenciais. E é aí que a padronização de divulgações deverá trazer a sua maior contribuição.
Expectativas e desafios
A padronização deverá proporcionar a clareza necessária aos leitores para que de fato se avalie de forma equânime o impacto das instituições em cada um dos aspectos do ESG. Algo que hoje é feito por muitos de forma seletiva, escolhendo as informações que tragam uma melhor aparência para a Instituição. De forma prática, uma empresa que não possua um impacto material no âmbito social e no âmbito de governança apesar de impacto significativo em aspectos ambientais, por exemplo, deverá evidenciar isso em suas divulgações.
Não devemos, no entanto, nos enganar com o tamanho do desafio. Não estamos falando aqui da padronização de demonstrações financeiras ou de critérios contábeis. Estamos falando de algo de certa maneira mais complexo, com impactos de longo prazo de difícil mensuração e que vão além das empresas e instituições. Caso tenha sucesso, a padronização das divulgações representará um avanço significativo para a agenda.
Conseguirá separar as instituições as quais tratam as práticas sustentáveis somente como estratégia de marketing daquelas que de fato geram valor no longo-prazo além daquele distribuído a seus acionistas. Instituições estarão preparadas para reportarem práticas eSG, EsG ou esG? Talvez esG? esg? Qual será o interesse dos investidores e da população em geral sobre o assunto a partir de então?
Aos reguladores e auditores ficam desafios: será de fato possível atribuir e assegurar de forma objetiva os critérios de materialidade para divulgação? Como avaliar a materialidade na geração de caixa e na geração (ou consumo) de valor de longo prazo das empresas, sem assumir um bom nível de subjetividade? Na prática, como conciliar diferentes horizontes de tempo de forma objetiva?
Em breve veremos a evolução de tais divulgações. Por hora temos mais perguntas do que respostas, mas é isso que normalmente se observa durante mudanças de paradigmas.
Texto originalmente publicado no blog Gestão e Negócios do Estadão, uma parceria entre a FGV EAESP e o Estadão, reproduzido na íntegra com autorização.
Os artigos publicados na coluna Blog Gestão e Negócios refletem exclusivamente a opinião de seus autores, não representando, necessariamente, a visão da Fundação Getulio Vargas ou do jornal Estadão.