Por: Maísa Cristina Dante Fagundes – maisa.fagundes@fgv.br
O Ensino Superior atravessa um período de profundas transformações, originadas na época da pandemia de Covid-19 e intensificadas pela crescente presença da tecnologia, especialmente da Inteligência Artificial (IA). Esse cenário, embora repleto de oportunidades, impõe desafios significativos à gestão pedagógica e à prática docente, sobretudo no que toca à indisciplina em sala de aula. A revisão de diversos trabalhos sobre o assunto indica que a solução para tais desafios passa por uma ação integrada entre professores, instituições e alunos, fundamentada no desenvolvimento de metodologias inovadoras, no estabelecimento de regras claras de comportamento e na integração ética das novas tecnologias.
A experiência em sala de aula tem demonstrado que a falta de atenção e de concentração dos alunos tem se intensificado paulatinamente, especialmente após o período de ensino remoto vivido durante a pandemia. Além da notória redução da capacidade de atenção gerada pelos novos hábitos no uso da tecnologia, que atinge públicos diversos, é certo que, no que toca aos estudantes do Ensino Superior, a flexibilização dos hábitos de estudo durante a pandemia dificultou a transição para o ambiente presencial. Aparentemente, parcela considerável dos estudantes sofrem de um tipo de “efeito da tela imaginária”, pois ainda se imaginam do outro lado de uma tela, embora estejam presentes em sala de aula. Essa ilusão permite que utilizem equipamentos eletrônicos para outras finalidades que não o acompanhamento das lições e interajam com colegas como se estivessem em outro ambiente.
Além disso, o desinteresse e a percepção de irrelevância dos conteúdos, muitas vezes vistos como desconectados das aspirações e da realidade dos estudantes, alimentam comportamentos disruptivos. A ambiguidade nas regras e nas expectativas também contribui para o aumento da indisciplina. Quando normas de comportamento não são claramente definidas ou aplicadas de forma consistente, os alunos tendem a testar limites, o que mina o ambiente de aprendizagem.
Adicionalmente, o ambiente pós-pandêmico evidencia problemas ligados ao estresse e ao bem-estar emocional dos estudantes, agravados por pressões acadêmicas e desafios socioeconômicos. A desvalorização do trabalho docente e os conflitos pessoais oriundos de pressões sociais e familiares e da normalização entre os jovens de comportamentos nocivos são também fatores extremamente prejudiciais.
Por fim, enfrentamos a chegada e a incorporação da IA no ambiente acadêmico. Por um lado, a facilidade com que a IA pode gerar textos e realizar tarefas gera preocupações relativas ao plágio, desafiando os métodos tradicionais de avaliação e exigindo uma reformulação ética e pedagógica dos processos de ensino. Por outro lado, o uso indiscriminado dessa tecnologia pode levar à dependência excessiva, comprometendo o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia dos alunos. Quando a IA se torna um substituto para o esforço cognitivo, a avaliação da evolução real da aprendizagem torna-se mais complexa, dificultando a identificação de dificuldades individuais e impossibilitando o desenvolvimento de estratégias de ensino adequadas.
Trata-se de desafio que transborda os limites da sala de aula, pois a apatia dos estudantes na busca autônoma pelo conhecimento poderá refletir no próprio avanço da ciência.
Para enfrentar esse cenário multifacetado, é imperativo adotar uma série de medidas integradas.
Professores devem: buscar promover o engajamento dos alunos, conectando o conteúdo acadêmico com aplicações práticas e situações do mundo real; adotar metodologias de ensino ativas e inovadoras a fim de combater o tédio e estimular o pensamento crítico; estabelecer regras claras e consistentes, construídas em diálogo com os alunos; promover a integração da IA de forma pedagógica, incentivando o uso ético da ferramenta como apoio à pesquisa e à produção de conhecimento original, e não como substituta do esforço intelectual.
Instituições precisam: desenvolver políticas específicas para regular o uso da IA, incluindo a implementação de ferramentas de detecção de plágio e a promoção de treinamentos para professores; atualizar os currículos para incluir noções de tecnologias digitais e ética na utilização de IA; investir em um ambiente de aprendizagem que seja tanto tecnicamente avançado quanto emocionalmente acolhedor, oferecendo suporte psicológico e promovendo práticas que valorizem o bem-estar dos estudantes.
Por fim, os alunos devem ser incentivados a desenvolver seu senso crítico, utilizando a IA de forma responsável e ética, reconhecendo seus limites e potencializando seu próprio processo de aprendizagem. É preciso que os estudantes retomem o hábito da participação ativa em sala de aula e desenvolvam a autodisciplina para a melhoria de seus níveis de atenção e para a realização de tarefas e de estudos. E, sobretudo, é crucial respeito aos profissionais e aos colegas, percebendo-se como indivíduos em um processo coletivo que demanda a adequada participação de todos.
Em suma, a indisciplina no Ensino Superior é um fenômeno complexo, que deve ser enfrentado por meio da implementação de práticas que integrem a ética, o engajamento e o uso consciente da tecnologia, promovendo um ambiente de aprendizado adequado ao cenário do século XXI. O esforço é compartilhado. Espera-se que os bons resultados também o sejam.
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