Por: Luis Henrique Rigato Vasconcellos – luis.vasconcellos@fgv.br
A transição para veículos elétricos (VEs) é frequentemente vista como uma boa solução para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e combater as mudanças climáticas. Não é surpresa para ninguém encontrar carros elétricos com um adesivo “zero emissões” estampado intencionalmente em alguma parte chamativa de sua carroceria. No entanto, a sustentabilidade dos carros elétricos não pode ser avaliada apenas pela ausência de emissões durante o uso. É preciso considerar todo o ciclo de vida do veículo, especialmente a fase de produção, conhecida como “berço ao portão”, que inclui desde a extração de matérias-primas até a montagem final.
Nessa análise, ao contrário do senso comum, a produção de carros elétricos emite, em média, 30% a 50% mais CO₂ do que a produção de carros a combustão interna (VCI) segundo inúmeros estudos conduzidos pelo mundo. A principal razão para isso é a fabricação das baterias de íon-lítio, que são componentes essenciais dos VEs. A extração e o processamento de materiais como lítio, cobalto e níquel são processos intensivos em energia e geram grandes quantidades de CO₂. Por exemplo, somente a produção de uma bateria de 40 kWh pode emitir entre 3 a 10 toneladas de CO₂, dependendo da tecnologia e da eficiência do processo de fabricação. Isso pode equivaler ao total de CO₂ emitido na produção total de um carro a combustão.
Os estudos apontam também que, enquanto a produção de um carro elétrico pode emitir entre 8 a 20 toneladas de CO₂, a produção de um carro a combustão emite, em média, entre 5 a 10 toneladas. Novamente, a diferença é atribuída sobretudo à bateria, mas outros componentes, como o motor elétrico e os sistemas eletrônicos de potência, também contribuem para o aumento das emissões. Por outro lado, componentes como a carroceria, os freios e a suspensão têm emissões semelhantes em ambos os tipos de veículos. E claro, no veículo a combustão, o motor e os periféricos são os grandes emissores, mas ainda assim, são construídos basicamente de aço e alumínio, não demandando outros materiais mais “inovadores” como o veículo elétrico.
É preciso dizer também que a sustentabilidade dos carros elétricos depende fortemente da fonte de energia usada para carregá-los. Em países onde a eletricidade é gerada principalmente por fontes renováveis, como solar, eólica ou hidrelétrica (como no caso brasileiro) os VEs tendem a compensar as emissões iniciais ao longo de sua vida útil. No entanto, em regiões onde a energia ainda é predominantemente gerada por combustíveis fósseis, os benefícios ambientais dos VEs podem ser ainda mais reduzidos. Há um famoso “meme” onde há um carro elétrico sinalizando “zero emissões” sendo carregado numa tomada elétrica alimentada por energia gerada a partir de carvão. O humor pode revelar muitas verdades inconvenientes.
Outro grande desafio é a reciclagem das baterias de íon-lítio. Atualmente, o lítio não é amplamente reciclado de forma eficiente, e grande parte dele acaba sendo descartada ou usada em processos menos sustentáveis, como a produção de cimento. Avanços tecnológicos e melhores processos de reciclagem podem reduzir significativamente as emissões futuras, mas ainda há muito a ser feito nessa área.
Também é verdade que, embora os carros elétricos tenham uma pegada de carbono maior na fase de produção, eles podem se tornar mais sustentáveis ao longo de sua vida útil, especialmente se forem carregados com energia renovável. No entanto, é crucial considerar todo o ciclo de vida do veículo, incluindo a produção, o uso e a reciclagem, para avaliar verdadeiramente seu impacto ambiental. A transição para a mobilidade elétrica é um passo importante, mas deve ser acompanhada de investimentos em energias renováveis e tecnologias de reciclagem para garantir que seja realmente sustentável.
Assim, a corrida pela eletrificação dos veículos pode ser associada a uma maratona, não uma corrida de curta distância. O carro elétrico começa atrás em termos de emissões na produção, mas com as condições certas, ele pode ultrapassar o carro a combustão na jornada pela sustentabilidade. E claro, depende do contexto de cada país. O futuro pela sustentabilidade pode não estar necessariamente associado a adoção plena do veículo elétrico, mas está necessariamente atrelado a compreensão da matriz energética de cada país e ao possível uso de combustíveis não fósseis (como é o caso do etanol brasileiro).
Em termos de sustentabilidade, aquele adesivo “movido a álcool” que frequentemente era visto nos vigias dos carros no início dos anos 80, pode ser mais verdadeiro para o cenário brasileiro do que um “zero emissões” que encontramos atualmente em algum veículo elétrico.
Para saber mais:
FGVces – Panorama da pegada de carbono de veículos leves: Resultados do estado da arte.
Hybrid vigor: Why hybrids with sustainable biofuels are better than pure electric vehicles.
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