Por: SÉRGIO AMAD COSTA – sergio.amad@fgv.br
A polêmica em torno da redução da jornada de trabalho é tão antiga quanto o capitalismo. O próprio 1º de Maio é oriundo de uma luta por redução de horas de trabalho que trabalhadores foram às ruas protestar contra as condições de trabalho desumanas e exigir a redução da jornada de 13 horas para 8 horas diárias.
Agora, novas propostas pedem o fim da escala 6×1, onde as pessoas trabalham seis dias por semana, com folga de um dia. Essa escala seria substituída por uma jornada de trabalho de, no máximo, 36 horas semanais, com quatro dias de trabalho, também conhecida como escala 4×3, por força de lei. Sublinho “redução de jornada por força de lei”, pelo fato de ser exatamente isso o que está sendo reivindicado por seus defensores. Procura-se alterar, sem redução de salário, o teto de 44 horas para 36 horas semanais a jornada definida na nossa Constituição.
Cito dois argumentos que têm sido apresentados favoráveis à redução da jornada de trabalho por força de lei. O primeiro diz respeito à melhoria da qualidade de vida dos profissionais. Reduzir a jornada possibilita que os empregados tenham mais tempo para se dedicarem à família, ao lazer, à educação, aos cuidados pessoais, tendo, assim, um maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. O segundo argumento, sustenta que a redução da jornada irá gerar aumento da produtividade. Com menos horas de trabalho, os colaboradores tendem a estar mais focados, mais engajados, reduzindo também o absenteísmo e o estresse.
O primeiro argumento, acima citado, é louvável. Nada contra a melhoria da qualidade de vida. Pelo contrário, é isso que devemos almejar. Porém, a redução de jornada, por força de lei, geraria impactos econômicos para as empresas, sendo prejudicial à sociedade como um todo. A redução da jornada pode aumentar os custos operacionais das companhias, especialmente em setores que dependem de mão de obra intensiva. Pequenas e médias empresas sofreriam com a necessidade de contratar mais colaboradores ou pagar horas extras.
Quanto ao argumento de elevar a produtividade, ele é raso, simplório e, a meu ver, indefensável. A jornada de trabalho é apenas uma variável no processo produtivo e, para reduzi-la, o Brasil ainda precisa melhorar, e muito, a produção de seus bens e serviços. O indicador de produtividade das empresas é resultado de vários fatores que se combinam, como tecnologia utilizada, capacitação da mão de obra, modelos de organização do trabalho, legislação trabalhista e burocracia. Além disso, em um mundo globalizado, a competitividade das empresas brasileiras poderia ser prejudicada no mercado internacional caso, com a redução da jornada, os custos de produção aumentassem.
Uma fonte de inspiração, para vários dos proponentes da redução da jornada de trabalho por força de lei, é a França, cujo modelo adotado é, a meu ver, justamente o que deve ser evitado. Lá se optou pela diminuição da jornada por força de lei. Desde o início dos anos 2000, reduziu-se para 35 horas semanais a jornada de trabalho, tendo como objetivo principal a geração de empregos.
A medida adotada na França, num primeiro momento, propiciou a criação de mais postos de trabalho. Mas isso só foi possível porque o governo deu subsídios para as empresas. Obviamente, esses subsídios eram temporários e o que restou de permanente foi um modelo trabalhista que apenas encareceu o custo do emprego, tornando as companhias pouco competitivas no cenário internacional. Embora ainda exista a lei, boa parte dos empregados trabalha períodos mais longos que o previsto e recebe horas extras, onerando as empresas e mantendo uma jornada de trabalho estendida.
O fato é que se observarmos países que são modelos de produtividade em geral, eles não têm experiências de redução de jornada por força de lei. O que eles possuem é um teto de jornada definido pela lei e a redução acontece, quando for o caso, por negociação. Na Alemanha, o teto de jornada é de 48 horas semanais, porém a maioria dos empregados trabalham entre 35 a 40 horas, dependendo do setor da economia, fruto de negociação. Na Suécia, o teto definido por lei é 40 horas por semana e em alguns setores a jornada varia entre 35 e 38 horas, dependendo de acordos coletivos.
Na Suíça, a lei estabelece como teto a jornada de 45 horas semanais para alguns setores como da indústria, por exemplo, e 50 horas para outras categorias, como o varejo. Entretanto, a média de jornada de trabalho semanal está entre 40 e 42 horas. Nos EUA, não há limite máximo de horas semanais definido por lei para trabalhadores adultos, mas a Fair Labor Standards Act (FLSA) exige que qualquer trabalho acima de 40 horas semanais seja pago como hora extra, exceto para gerentes e executivos.
O Brasil, segue, em termos gerais, esses modelos acima citados. A lei estabelece 44 horas de jornada semanal como limite, porém nem todos os profissionais estão cumprindo essa jornada. Há várias categorias de trabalhadores que têm jornada inferior e isso foi possível mediante negociação, que levou em conta especificidades do ramo empresarial, condições tecnológicas, modelos de trabalho, entre outros. Hoje, a média de jornada de trabalho semanal é de 39 horas.
É natural que, com o decorrer do tempo, a jornada de trabalho seja menor. A história nos mostra isso. No século 19, a média de jornada de trabalho semanal na Inglaterra era de 67 horas semanais. Mas isso é um processo, que varia de setor para setor da economia e totalmente inviável de ser feito para todos no mesmo momento histórico.
Em outras palavras, obrigar as empresas a reduzir jornadas é um grande equívoco. Caso isso aconteça em empresas que ainda não estão em condições para a redução da jornada, os custos se elevarão de tal maneira que, inevitavelmente, serão repassados para o preço final, contribuindo para um processo inflacionário. As companhias que não conseguirem repassar esses custos, simplesmente fecharão suas portas eliminando os postos de trabalho que tinham. Essa reivindicação, da forma como tem sido postulada, é um tiro que sairá pela culatra.
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