Por Priscila Miguel – priscila.miguel@fgv.br
O interesse por diversidade e inclusão (D&I) tem aumentado tanto no ambiente acadêmico como no corporativo. É cada vez maior a pressão por organizações com maior heterogeneidade e diferenças entre pessoas, no que se refere a raça, gênero, idade, orientação sexual, pessoas com deficiência e nacionalidades. E não basta apenas contar com grupos diversos, é preciso que todos tenham as mesmas oportunidades de participar e contribuir de forma igualitária.
A diversidade e inclusão precisam estar presentes em diferentes esferas: na força de trabalho, na liderança e nas relações com fornecedores e clientes, ou seja, na cadeia de suprimentos. Uma das formas de se aumentar D&I nas relações interorganizacionais é aumentando as compras de fornecedores de propriedade de diversidade, ou simplesmente fornecedores de diversidade, que são aqueles em que 51% ou mais da participação societária pertence a um grupo minorizado, isto é, propriedade de negros, indígenas, mulheres, pessoas com deficiências, membros da comunidade LGBTQIA+, entre outros. Embora não sejam necessariamente minorias na população, esses grupos são historicamente sub-representados e excluídos socialmente.
Motivadas por programas de responsabilidade corporativa, pressões de diferentes stakeholders e até mesmo por questões econômicas, grandes corporações percebem benefícios ao comprar de fornecedores de diversidade, como melhoria no desempenho operacional, aumento de inovação, melhor relacionamento com clientes e consumidores e a possibilidade de se antecipar às mudanças demográficas. Para o fornecedor, os ganhos se refletem em aumento de oportunidades de negócios e maior possibilidade de inclusão social e econômica, com consequente impacto na sociedade.
Compras de fornecedores de diversidade não é um tema novo em países como Estados Unidos e Reino Unido, que introduziram a prática por questões regulatórias e para garantir igualdade, respectivamente. No Brasil, no entanto, a adoção da iniciativa é ainda incipiente. Pesquisa realizada pela autora desta coluna, coordenadora adjunta do Centro de Excelência em Logística e Supply Chain (FGVcelog) da FGV EAESP, e pela professora Maria José Tonelli, coordenadora do Núcleo de Organização e Pessoas (FGV NEOP) da mesma instituição, em parceria com a ONU Mulheres, em 2019, identificou que apenas 10% de uma amostra de 109 empresas tinham adotado ou estavam implementando a D&I nos seus processos de compras. A boa notícia é que, desde então, muitas empresas vêm aderindo à iniciativa e se associando a organizações intermediárias que realizam a conexão com fornecedores de diversidade.
Na prática, no entanto, a adoção de um programa de compras de fornecedores de diversidade ainda é mais um desejo do que uma realidade, mesmo para empresas que têm projetos nesse sentido há alguns anos. Os gastos com fornecedores de diversidade não têm aumentado conforme metas estabelecidas inicialmente. Para muitos dos compradores envolvidos no programa, apesar da intenção, é difícil encontrar fornecedores de diversidade prontos para atender aos requisitos mínimos estabelecidos pelas políticas internas das empresas. Na realidade, é possível identificar viés inconsciente e falta de confiança nesses fornecedores, que não fazem parte da base tradicional de fornecimento dessas grandes corporações. Ademais, a mentalidade tradicional da área de compras, focando redução de custos e ganhos no curto prazo, também acaba sendo uma nova barreira para a seleção de fornecedores, já que muitas empresas buscam apenas selecionar fornecedores que atendem a critérios econômicos, mas não buscam se adequar às mudanças exigidas no contexto externo.
Nossa pesquisa evidenciou que os fornecedores de diversidade entendem que programas como esse abrem portas para eles, mas não garantem a sua contratação. Ser certificado como um fornecedor de diversidade possui um alto custo, que não necessariamente reflete no crescimento do negócio. Além disso, muitos fornecedores são de pequeno porte e não têm faturamento mínimo para participar de programas de mentoria focados no seu desenvolvimento, o que os mantêm fora do círculo de fornecimento de grandes empresas, perpetuando a exclusão social.
Em um ambiente como o Brasil, caracterizado por forte desigualdade social e econômica, para efetivamente ser inclusiva, a empresa compradora precisa investir no desenvolvimento de fornecedores, sobretudo os pequenos, para que estejam aptos a se tornarem potenciais provedores. A mentalidade tradicional da área de compras, que prioriza grandes e conhecidos fornecedores, não reconhece a possibilidade de criação de valor e ganho de legitimidade na sociedade com essa conduta. Dessa forma, é imperativo que haja um processo de transformação para um ambiente mais inclusivo, que exige mudanças culturais e organizacionais e requer a conexão com outras organizações para estimular a redução da desigualdade. Nesse sentido, não basta ter como métrica apenas os gastos como fornecedores de diversidade, mas sim avaliar o quanto o programa é efetivamente capaz de reduzir a assimetria de poder e de informação entre as grandes corporações e os fornecedores de diversidade.
Para saber mais:
Priscila Laczynski de Souza Miguel e Maria José Tonelli. Supplier diversity for socially responsible purchasing: an empirical investigation in Brazil. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, n. ahead-of-print, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1108/IJPDLM-09-2021-0407
ONU Mulheres. Diversidade na cadeia de compras WEPS5, 2021. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2021/09/ONU_FGV_REV.pdf