Luis Henrique Rigato Vasconcellos – luis.vasconcellos@fgv.br
Alissa Elias Guttmann – aluna do 4º semestre do curso de graduação em Administração de Empresas
Cecilia Cerantola de Oliveira – aluna do 4º semestre do curso de graduação em Administração de Empresas
Cada vez mais é visível a questão da eletrificação dentro do mercado automotivo. Ver um automóvel elétrico ou híbrido nas ruas das principais capitais brasileiras tornou-se usual. O ano de 2023 encerrou com recorde histórico de vendas globais de carros elétricos e híbridos. No acumulado geral do ano, 13,6 milhões de automóveis eletrificados foram registrados em todo o mundo — representando uma fatia de 16% de todas as vendas de carros (em comparação com apenas 4% em 2020).
Esse número não parece muito representativo em termos relativos, mas quando examinamos em detalhes essa questão, a perspectiva muda. A China aparece como líder global incontestável em produção de carros elétricos e híbridos, respondendo por mais da metade da produção mundial. Não seria insensato imaginar que essa mudança acarreta transformações profundas na cadeia produtiva mundial automobilística, desde a extração de matéria-prima até ao seu final de vida, justamente porque um carro elétrico não precisa de certos sistemas para seu funcionamento, por exemplo, transmissão, frenagem e sistemas de arrefecimento do motor complexos.
Estamos observando uma fase de transição, na qual as recém-gigantes empresas de automóveis elétricos e híbridos chineses estão ultrapassando as tradicionais e seculares empresas de automóveis à combustão americanas e europeias. A tendência para os próximos anos é de que os pódios invertam de lugar: a popularização e aumento da acessibilidade acerca de elétricos e híbridos chineses fazem com que o mercado de automóveis tradicional à combustão esteja sob ameaça, vendo seus produtos tornarem-se obsoletos rapidamente.
Na cadeia produtiva essa mudança é nítida. Se considerarmos as principais empresas fornecedoras de autopeças nos anos de 2018 e 2023, veremos um fato notável em termos de governança e poder da cadeia. O faturamento de empresas fornecedoras chinesas passou de 14 bilhões de dólares para 67 bilhões em 2023. Sim, um aumento de quase 400% do faturamento, em apenas cinco anos, conforme tabela 1.
Tabela 1: Faturamento dos principais fornecedores de auto-peças mundiais (.000)
2018 | 2023 | ||
Japão | 202.596 | 197.010 | Alemanha |
Alemanha | 190.097 | 186.676 | Japão |
EUA | 81.166 | 90.491 | EUA |
sub total | 473.859 | 474.177 | |
% | 69% | 62% | |
China | 14.278 | 67.401 | |
% | 2% | 9% | |
Total | 683.081 | 770.865 |
Fonte: elaborado pelos autores com base em: https://www.autonews.com/
Ainda em relação ao faturamento de todo setor da cadeia automotiva de fornecedores, enquanto os três principais países produtores estagnaram no mesmo patamar de 470 bilhões de dólares, fornecedores chineses tiveram um aumento de 2% para 9% do total em apenas cinco anos.
O crescimento dos fornecedores chineses na transformação da cadeia produtiva automobilística é fruto da nova arquitetura do veículo eletrificado com suas baterias e células de eletrificação. Ressalta-se que as baterias possuem um processo de produção muito particular e o país que conseguiu dominar o mercado com mais agilidade foi justamente a China, encontrando um método que minimiza seus custos, possibilitando um impulso econômico através da economia de escala e domínio dos suprimentos de seus principais insumos através de suas Giga-fábricas.
Ainda para exemplificar o domínio chinês na nova cadeia automotiva: ela possui 41% da mineração de cobalto do mundo, que é um dos componentes mais controvertidos da bateria pelos seus processos de extração encontrarem-se majoritariamente num país onde a estabilidade política e as condições sociais não servirem de referência a ninguém: a República Democrática do Congo. E cada carro elétrico com bateria de íon-lítio carrega mais de 8 quilogramas de cobalto em seu cátodo.
Na nova cadeia de suprimentos que se apresenta, a quantidade de minerais que uma bateria tradicional de íon-lítio carrega é realmente impressionante. Numa bateria relativamente pequena, de 185 quilogramas com 60 kilowatts hora, que representa um veículo de entrada, as quantidades respectivas de níquel e cobre, são aproximadamente 20 e 30 quilogramas. Numa conta simples e didática, é o mesmo que pegarmos uma bateria de seu telefone celular e multiplicar por 1000!
Os fabricantes chineses de autopeças como a CATL e a própria BYD reinam absolutos na produção de baterias e células de eletrificação, sendo responsáveis por quase metade de toda produção total de baterias mundial. Mesmo a americana Tesla, tem em seu principal produto, o modelo Y, carrega uma grande parcela de componentes fabricados na China.
Se a tecnologia da bateria ainda não está plenamente definida, isto é, ainda não sabemos se o carro elétrico ou híbrido carregará uma bateria a base de íon-lítio ou fosfato de ferro-lítio (LFP), ou ainda numa opção mais barata, como a de sódio, uma coisa é certa: o domínio na cadeia eletrificada já tem um líder definido, qualquer que seja a aposta futura.