Em novembro de 2023, coincidindo com a Semana Mundial de Conscientização sobre a Resistência Antimicrobiana [1], o FGV Saúde sediou 2 eventos com o objetivo de chamar atenção para os impactos sociais e econômicos da Resistência Antimicrobiana e de discutir como mensurar esses impactos no contexto brasileiro.
Os eventos foram coordenados pela pesquisadora visitante do FGV-Saúde e professora da Universidade de St Andrews, Katherine Keenan, e pela pesquisadora do FGVSaúde, Juliana Corrêa, bolsista de pós-doutorado Fapesp/ CNPq.
O evento foi desenvolvido como parte das atividades de um novo Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP, o Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos (Projeto ARIES) [2], que reúne os professores e pesquisadores da FGV, Adriano Massuda e Elize Massard da Fonseca, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sede do instituto, da Universidade de São Paulo (USP), e de outras 4 universidades, além de representantes do Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura e de outros parceiros acadêmicos e governamentais.
A resistência antimicrobiana acontece quando microorganismos como bactérias, vírus e fungos se tornam resistentes aos medicamentos que são utilizados para tratá-los. A resistência torna infecções mais difíceis de serem tratadas, resultando em hospitalizações mais prolongadas, impactando nos índices de morbi-mortalidade, sobrecarregando todo o sistema de saúde.
O problema é descrito na literatura e no discurso político como uma “pandemia silenciosa” devido à pouca visibilidade e priorização a despeito de sua gravidade para a saúde pública global. Estimativas recentes [3] indicam que, apenas em 2019, infecções causadas por bactérias multirresistentes causaram a morte de quase 1,3 milhão de pessoas no mundo e de mais de 33 mil pessoas no Brasil. Embora seja uma questão de saúde pública relevante, o Brasil ainda enfrenta desafios para tornar o problema visível e inserir o tema na agenda política da saúde pública de forma a implementar uma estratégia coordenada a nível nacional [4].
Há inúmeros desafios para mensurar o impacto da resistência antimicrobiana para as populações e para os sistemas de saúde. No caso dos impactos sociais e econômicos a mensuração é ainda mais complexa, pois envolve indicadores sociais e econômicos. A RAM não é uma doença específica, mas um fenômeno biológico que pode ser intensificado e acelerado através da ação humana, impactando no tratamento de diversas enfermidades.
O projeto Cepid ARIES é composto por pesquisadores das ciências biomédicas, humanas e sociais para pensar soluções conjuntas em torno do tema a partir de uma abordagem de Saúde Única, que preconiza a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental.
O primeiro evento realizado na FGV em 28 de novembro discutiu “Qual o impacto social da resistência antimicrobiana e por que isso importa?” e contou com palestras online de especialistas internacionais. A professora Clare Chandler, antropóloga e co-fundadora do Centro de Resistência Antimicrobiana da London School of Hygiene and Tropical Medicine, discorreu sobre como definir e medir a carga social e a importância das perspectivas de equidade e justiça no estudo da RAM. Chandler alertou para a importância de pesquisas no campo das ciências sociais que evidenciam como a RAM é distribuída desigualmente entre os grupos sociais, e como as intervenções para prevenção ou mitigação impactam diferentemente esses grupos.
Já a professora Esmita Charani, da Universidade de Cape Town e da Universidade de Liverpool, apresentou dados de um estudo sobre financiamento global para pesquisas com foco na otimização do uso de antimicrobianos em humanos. Dentre os resultados, ela ressalta que boa parte dos recursos tem se voltado para pesquisas de desenvolvimento de novos antimicrobianos em detrimento de estudos que privilegiam compreender como os fatores culturais, contextuais e comportamentais de profissionais de saúde e de usuários dos serviços influenciam no surgimento e no aumento da resistência antimicrobiana, bem como de estudos de implementação.
Após o workshop, a equipe do projeto CEPID-ARIES realizou uma oficina para discutir como mensurar a carga social no contexto brasileiro, incluindo os desafios de agregar dados clínicos, laboratoriais, de saúde e sociais que evidenciam o impacto desigual da RAM no contexto brasileiro e em São Paulo, especificamente.
Além disso, a FGV sediou, em 18 de dezembro de 2023, o seminário de trabalho “A carga econômica da resistência antimicrobiana e como mensurá-la”. O evento contou com a participação do professor Rifat Atun, da Universidade de Harvard, e do pesquisador Ramanan Laxminarayan, economista da Universidade de Princeton e fundador da organização One Health Trust. A discussão foi mediada pelo professor e pesquisador Adriano Massuda, coordenador do FGVSaúde.
Os pesquisadores convidados debateram os desafios metodológicos e operacionais para mensurar a carga econômica da resistência antimicrobiana, e as diferentes possibilidades de abordar o tema. Foram apresentadas e discutidas possibilidades de integrar análises que privilegiam, por um lado, os impactos para o sistema de saúde, o que poderia auxiliar na mobilização política em torno do tema, e por outro, o custo financeiro das famílias afetadas.
[1] https://www.paho.org/pt/noticias/6-6-2023-partir-agora-semana-mundial-conscientizacao-sobre-uso-antimicrobianos-waaw-em
[2] https://bv.fapesp.br/pt/auxilios/112309/instituto-paulista-de-resistencia-aos-antimicrobianos-projeto-aries/
[3]https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)02724-0.
[4] Corrêa JS, Zago LF, Da Silva-Brandão RR, de Oliveira SM, Fracolli LA, Padoveze MC, Cordoba G. The governance of antimicrobial resistance in Brazil: Challenges for developing and implementing a one health agenda. Glob Public Health. 2023 Jan;18(1):2190381. doi: 10.1080/17441692.2023.2190381. PMID: 36934430.